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Francisco Miranda Rodrigues: “Falta de empatia” e “confiança excessiva” fazem um líder tóxico

20 Jul 2023 - 06:40

Francisco Miranda Rodrigues: “Falta de empatia” e “confiança excessiva” fazem um líder tóxico

A psicologia e os negócios podem (e devem) andar de mãos dadas. É esta a conclusão que podemos encontrar – embora expressa por outras palavras – nas primeiras páginas de “Como Gerir Pessoas, um livro de Francisco Miranda Rodrigues.

Em declarações ao Viral a propósito do livro que acaba de publicar, o especialista em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações e bastonário dos Psicólogos explica como a aplicação da ciência psicológica pode ser útil às organizações, revela que a forma como as pessoas veem o trabalho está a mudar (e os desafios que daí nascem) e expõe algumas características que podem ajudar a detetar um líder tóxico.

O perigo da “bolha” e das experiências do passado

Francisco Miranda Rodrigues já dirigiu equipas de recursos humanos e de segurança, higiene e saúde no trabalho. Por isso, quando questionado sobre quais os principais erros que encontrou nas lideranças das organizações com quem trabalhou, não hesita em apontar para uma questão transversal e estrutural.

“Há um problema de base que é o facto de nós, demasiadas vezes, nos centrarmos naquilo que é a nossa experiência pessoal, sem o cuidado de nos questionarmos e de percebermos se aquilo que nós achamos sobre as coisas tem alguma base científica”, sustenta.

Este foco excessivo na “experiência pessoal”, sublinha o psicólogo, pode levar os líderes a fecharem-se numa “bolha” e a alimentarem uma confiança que pode “ser excessiva face à humildade necessária para se questionarem sobre as coisas, para as porem em causa” e para continuarem a procurar as “melhores soluções” à luz do conhecimento da época.

Também por isso, Francisco Miranda Rodrigues defende que é um erro achar-se que ter muito jeito para pessoas é suficiente para ser um bom líder.

“É um erro na mesma medida em que será um erro nós acharmos que, por temos jeito para fazer contas, somos contabilistas ou economistas. É estarmos a simplificar demasiado com base nas nossas experiências e naquilo que nos sentimos confortáveis a fazer”, argumenta.

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O psicólogo lembra ainda que as nossas perceções sobre a forma como nos relacionamos com as pessoas, como avaliamos os seus comportamentos e sobre o nosso “jeito” para as escolher está refém, muitas vezes, do viés da confirmação, ou seja, da tendência natural do ser humano para valorizar aquilo que confirma as suas crenças e para ignorar ou rejeitar aquilo que as contradiz.

Na perspetiva de Miranda Rodrigues, salvo algumas exceções, “as pessoas que lideram tendem a procurar a confirmação daquilo que são as ideias que têm e daquilo que fazem e não andam propriamente a tentar questionar-se sobre se isso estará certo ou não”.

Quais as características de um líder tóxico?

A confiança excessiva –  e, sobretudo, “um desequilíbrio muito grande entre as dimensões de confiança e de humildade” – é, na visão de Francisco Miranda Rodrigues, uma das principais características de uma liderança tóxica.

“Se nós tivermos uma liderança que é muitíssimo confiante, que está cheia de si, que gosta muito de si e que se questiona pouco sobre os seus comportamentos, atitudes e crenças, isso, geralmente, acaba por se traduzir em maior sofrimento para as pessoas que estão à sua volta”, clarifica o psicólogo.

A este traço comum nos líderes tóxicos soma-se outro: a falta de empatia. Isto acontece quando as lideranças são “muitíssimo pouco empáticas”, “não conseguem perceber minimamente o que é estar na situação em que o outro está” e tomam decisão “alheias a todo o conjunto de outras realidades que cada pessoa que incorpora a organização tem”.

Este cenário, por norma, “leva a que mais facilmente exista um desrespeito pelas necessidades de cada uma das pessoas da organização e leva a que determinados direitos possam ser sistematicamente ultrapassados por via daquilo que são as crenças da liderança”. 

Estas crenças da liderança não só podem não ser “partilhadas”, como também podem não ser “saudáveis” ou até “adequadas para a sustentabilidade da organização a médio e a longo prazo”.

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No mesmo sentido, podem ser também consideradas tóxicas as lideranças que não promovam a autonomia dos trabalhadores, em que haja uma supervisão excessiva e em que os líderes refaçam o trabalho das pessoas em vez de lhes explicarem como melhorar.

“Quando as lideranças promovem a autonomia das pessoas no trabalho, essas pessoas sentem-se mais empoderadas, sentem-se mais motivadas e sentem mais bem-estar do que aquelas que acabam por ficar-se por tarefas muito rotineiras e em que há uma microgestão tão grande que se torna destrutiva”, esclarece.

Para Francisco Miranda Rodrigues, “a confiança de um líder tem de estar muito mais no ser capaz de se tornar prescindível, e não imprescindível”.

“Os líderes têm de ser confiantes. Mas a grande confiança deve residir, precisamente, em conseguirem ajudar os outros a desenvolver-se e em tornarem-se perfeitamente dispensáveis”, resume.

O mundo do trabalho está a mudar e quem não se adaptar pode-se “dar mal”

A forma como as pessoas veem o trabalho está a mudar. Ficar na mesma empresa durante toda a vida ou privilegiar o trabalho em detrimento da vida pessoal são alguns dos pontos que começam a estar fora da lista de prioridades das novas gerações.

“Já a geração millennial tinha diferenças, mas esta geração Z, por exemplo, quando escolhe o seu local de trabalho, coloca no top das suas necessidades a avaliar se há uma preocupação ou não com a saúde mental. Isso é uma coisa bastante diferente daquilo que podíamos encontrar há uns anos”, exemplifica.

Para as lideranças, lidar com as mudanças na forma como as pessoas veem o trabalho pode ser um desafio. 

Isto porque, explica Miranda Rodrigues, “todos nós vamos construindo as nossas crenças e as nossas convicções sobre como as coisas devem funcionar”. Assim sendo, “se nós passarmos muitos anos a construir uma determinada crença ou uma determinada convicção, pode tornar-se mais difícil pô-la em causa”.

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Por isso, continua, se os líderes “estão há muitos anos – ainda por cima, algumas vezes, com sucesso – a trabalhar com bons resultados, com base em determinadas crenças, não é fácil que, em pouco tempo, consigam olhar para o mundo e ver que agora já não é assim, que o que funcionava já não funciona e que a forma como viam o mundo já não se aplica à realidade”.

“É muito difícil, por vezes, tomar consciência disto e, depois de tomar consciência, conseguirmos mudar a nossa forma de atuar de acordo com os novos tempos”, acrescenta.

Contudo, acredita Francisco Miranda Rodrigues, caso os líderes não se adaptem, quem vai sofrer são as organizações: “Se nós quisermos ignorar isso, se calhar, vamo-nos dar mal, porque vamos estar a querer atrair pessoas para o nosso local de trabalho à imagem e semelhança daquilo que nós gostamos e que nós achamos que está bem, o que não significa que seja, necessariamente, aquilo que os outros querem, aquilo que os outros precisam”.

No mesmo plano, o psicólogo deixa um alerta: “O mundo transformou-se de tal forma que não é suficiente nós gostarmos ou não gostarmos e nós acharmos justo ou não acharmos justo. Às vezes, nós temos mesmo de fazer algumas adaptações, porque, caso contrário, o mundo pode mudar demasiado para aquilo que é a mudança na nossa organização e isso pode levar à morte da organização por não se conseguir ajustar a essa nova realidade”.

É neste contexto que, para o autor de “Como Gerir Pessoas”, a Psicologia pode ser útil às organizações, por ser a ciência que estuda “as pessoas, o seu comportamento, a forma como percecionam as coisas, como se emocionam, como tomam decisões e como se motivam”.

O que podem os psicólogos fazer dentro das empresas?

Apesar de não considerar que seja “preciso contratar psicólogos para dentro das empresas para tudo e mais alguma coisa”, Francisco Miranda Rodrigues defende que “muitas empresas beneficiariam da contratação de psicólogos e de serviços de psicologia” e lembra que, atualmente, isso não é uma realidade em boa parte das organizações.

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“Estamos nos antípodas ainda. Nós utilizamos muito pouco os contributos desta profissão e da ciência psicológica para aquilo que já são necessidades de há já muito tempo das organizações”, vinca.

Mas o que podem fazer os psicólogos dentro das empresas? Em primeiro lugar, adianta o autor de “Como Gerir Pessoas”, é necessário desconstruir a ideia de que os psicólogos só trabalham em contexto clínico.

Dentro de uma organização, os psicólogos podem ser úteis, por exemplo, nos processos de “recrutamento e seleção”, não só pela aplicação de ferramentas específicas para este fim, mas também por terem um “conhecimento muito aprofundado do funcionamento do ser humano, dos seus comportamentos e dos seus processos mentais” e conseguirem “interpretar os resultados obtidos destas avaliações à luz desse conhecimento e à luz do contexto específico dessa avaliação.

Noutro plano, os psicólogos podem ser também úteis para as empresas tecnológicas que, atualmente, já requerem os seus serviços “para trabalharem no desenvolvimento dos seus algoritmos, dos interfaces dos seus programas e das suas tecnologias”.

Estas empresas contratam psicólogos porque “precisam de quem conheça como é que as pessoas se comportam e como é que poderão, eventualmente, interagir com os seus produtos” para, depois, os adaptarem a essa forma de pensar e a esses comportamentos.

Outra dimensão das empresas em que os psicólogos podem atuar é na melhoria do desempenho das equipas: “A partir do momento em que muitas outras variáveis estão exploradas do ponto de vista do rendimento, sobra uma dimensão que é a dimensão mental e é preciso trabalhá-la para conseguir atingir e melhorar resultados para além daquilo que já se tinha antes”, sustenta o psicólogo.

Por fim, trabalhar a “saúde mental” e o “bem-estar no trabalho” são áreas em que os psicólogos podem atuar tanto ao nível da prevenção como também na procura de soluções que melhorem o dia a dia de quem faz parte da organização e “a forma como o trabalho está organizado”.

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O psicólogo defende que, quando “procuramos as respostas que as organizações devem dar para acautelarem a saúde mental”, não devemos procurar apenas respostas individuais. Porque esse apoio, embora positivo, pode ser “curto”, se “as causas do que levou a que a pessoa desenvolva um determinado problema se mantiverem”.

“Ou seja, se nós tivermos lideranças tóxicas, se nós tivermos processos mal desenhados e que levam a maior esforço cognitivo ou a um maior número de horas de trabalho, essa organização de trabalho é, ela própria, potencialmente causadora de problemas psicológicos”, explana.

No fundo, os psicólogos têm, neste contexto, “um papel voltado para ler a organização, avaliar o que se está a passar com as pessoas no seu trabalho, como é que elas se estão a sentir face aos seus impactos, os riscos psicossociais e como é que está o seu bem-estar”, o que terá “uma relação muito grande com a produtividade”.

“Isto não tem que ver apenas com um objetivo de saúde, mas também com os seus impactos na produtividade e, portanto, na sustentabilidade das organizações”, conclui.

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Saúde mental

20 Jul 2023 - 06:40

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